Dois anos pós TMO

Escrever às vezes funciona como uma terapia pra mim, então muitas vezes escrevo para mim mesma, simplesmente o que vem ao meu coração e pensamento no momento. Já quando penso em publicar um texto, acabo me policiando muito, pois a minha vontade é de dividir somente as alegrias. Mas a verdade é que é como em contos de estória, daquelas que começam sempre com “Era uma vez…”, pra se chegar ao final feliz sempre há uma tribulação ou desafio. E muitas vezes não tem como se contar uma história direto do fim. Minha história nesse blog iniciou-se no diagnóstico e hoje já faz mais de dois anos que fiz o transplante de medula óssea, e mais de três anos desde o diagnóstico de leucemia e início do tratamento. Apesar de não dividir minha história com tanta frequência, a faço pois sei que foi a partir disso que tantas pessoas tomaram conhecimento sobre a importância da doação de medula óssea e se cadastraram no banco de doadores. Nunca pedi a um amigo, mesmo que próximo, que o fizesse, o que fiz foi divulgar a importância, informar o processo, onde se cadastrar, como funciona a doação, pois entendia que o desconhecimento era muitas vezes a causa de muitos não serem doadores. E minhas maiores alegrias eram quando amigos, alguns até distantes, que eu não via há anos, me escreviam e diziam que tinham feito seu cadastro no banco de doador, e, melhor ainda, a maioria deles contava que tinha levado mais uma pessoa junto, o marido, o irmão, outro amigo. E é assim que se começa uma corrente de fraternidade, pessoas fazendo o bem sem esperar muito em troca. Mas tenho certeza de que se uma dessas pessoas um dia for compatível com um paciente, ela receberá muito em troca, pois terá a chance de salvar uma vida, dar chance nova a alguém que neste momento da vida depende dela para sobreviver. E então receberá a gratidão eterna, e na minha crença, muitas graças e bênçãos em suas vidas por seu ato altruísta de fazer o bem para o próximo.

Um dos textos que tinha escrito anteriormente (daqueles que nunca publiquei) foi logo após completar 18 meses de transplante, que é o prazo estabelecido pelo REDOME (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea) para que possamos estabelecer contato entre doador e receptor, já que a doação acontece de forma anônima. Então logo que atingi o prazo entrei em contato, pois queria saber mais sobre minha doadora. Essa pessoa que agora faz parte de minha vida, pensamentos e orações, e de quem pouco ou nada sei. Nos meus pensamentos, tenho essa vontade de saber mais sobre ela, onde mora, quantos filhos tem, o que faz, talvez ver uma foto e imaginar um rosto quando me lembro dela. Não sonho com encontro televisionado, daqueles que todo mundo assiste na TV e se emociona. Mas talvez aí esteja mais um erro meu… atrair atenção não para mim, mas para a causa, quem sabe assim mais pessoas se interessariam pela doação de medula! Mas eu ficaria contente e satisfeita somente em ter seu endereço para mandar um cartão de natal,desejar um feliz aniversário ou escrever de vez em quando. E queria que ela soubesse que sempre penso e oro por ela. Ainda estou aguardando retorno desse contato com o REDOME, até porque o conhecimento só se torna possível quando ambas as partes concordam. Às vezes me pego pensando o porquê da demora em receber uma resposta, mas então penso que se eles estiverem ocupados demais trabalhando em encontrar novos doadores, estão trabalhando em salvar vidas, e acabo relevando minha ansiedade.

Outro texto escrevi quando completei dois anos pós-transplante. E posso dizer que o dia em si foi um dia muito feliz para mim. Até mais importante de quando comemorei meus últimos trinta e um anos. Foi um dia que me senti plenamente grata pela minha vida. Que me senti feliz e completa, naquele momento em que eu sabia que eu tinha tudo o que queria e importava em minha vida. E não existe felicidade maior do que essa: não desejar o que não pode ter ou ser. Foi até mesmo um momento de aceitação da minha atual fase. Eu ainda continuo fazendo o tratamento da doença do enxerto contra hospedeiro, mesmo passado dois anos e três meses após o TMO, e por muito tempo ficava ansiosa, mês após mês, consulta após consulta, por resultados novos, em começar reduzir as doses dos imunossupressores, mesmo sentindo na pele que a doença ainda estava em atividade e que os cuidados deveriam continuar. O problema com a doença do enxerto é que você nunca sabe quando ela vai acabar, e isso muitas vezes me deixou cansada, e às vezes até esgotada. Mas era aí que eu recuperava minhas forças e paciência e lembrava a mim mesma que o mais difícil já tinha se passado. E sabia que tinha que encarar por quanto tempo que fosse essa fase de adaptação da minha nova medula com o meu organismo. Hoje sei que não adianta eu ter pressa, que o meu organismo vai levar o tempo que for necessário para fazer essa adaptação, e não há remédio ou tratamento no mundo, além do que já faço, que fará isso apressar. É questão de tempo, que varia de pessoa para pessoa, e aprendi que se eu não soubesse administrar isso, passaria alguns anos de minha vida sofrendo! É claro que continuo pedindo todas as noites por mais essa etapa, mas enquanto isso vou vivendo da melhor maneira possível, administrando os desafios atuais, tomando os cuidados necessários, sem deixar de me alegrar por tudo que já conquistei até aqui e pela minha vida de hoje. Eu sei que vai chegar a hora que essas preocupações, por menores que pareçam ser, não irão mais existir.

Independente disso, meu desejo de que possamos ter cada vez mais pessoas interessadas em ajudar ao próximo, doar e se doar em benefício do outro, vai sempre existir. Cada um conhece suas possibilidades e limitações e sabe até onde pode ir em benefício do outro, seja como um doador de sangue, um doador de medula óssea, um amigo presente para aqueles que passam por tribulações, um voluntário que visita os enfermos trazendo palavras de acalento e fé. Durante meu tratamento eu recebi tudo isso, e sou grata por cada um que me ajudou e que de sua forma participou do sucesso de meu tratamento. Por isso a vontade de compartilhar minha história prevalece sobre tudo, para que essa corrente do bem nunca termine e que possa ajudar cada vez mais pessoas.

Helen

 

10 respostas para Dois anos pós TMO

  1. Martha disse:

    Querida Helen, é muito bom ler sua história!!! Meu desejo é que vc continue escrevendo para que mais pessoas cheguem ao conhecimento da doação de medula e que sejam doadores! Que Deus te abençoe mais a cada dia!!! Um dia de cada vez e todos na dependência do Pai!

  2. Júlia Santos disse:

    Adorei o seu texto, que Deus te ilumine sempre com esta luz potente que tem no seu coração, parabéns pelas palavras otimistas e cheias de fé, aodooooooooroooooo pessoas desse nível, bjs

  3. Roberta disse:

    Olá Helen! Você já conheceu a sua doadora? Te peço desculpas por sempre postar comentários no seu blog, quase me apossei dele né rss. Saúde pra ti. bjos

    • Oi Roberta! Tudo bem? Adoro ver as pessoas participando do blog…. Isso é muito bom!!! Veja quantas pessoas tem passado por aqui para contar suas experiências como doadores, tirar duvidas, etc. E agradeço muito pela participação de todos vocês, pois é disso que precisamos: cada vez mais conscientizar as pessoas! Toda contribuição é super válida! Eu ainda não conheci minha doadora. Tenho muita pouca informação sobre ela, mas espero sim um dia poder conhece-la. Continuo aguardando, no tempo de Deus. Um beijo pra você! Helen

  4. Raquel Silva disse:

    Olá Helen! Parabéns pela sua jornada de fé e esperança. Fiquei muito feliz por ter encontrado um doador compatível.

    Meu nome é Raquel e sou estudante de enfermagem e também doadora cadastrada no banco de medula óssea. Me deparei com seu blog ao buscar informações sobre doação e transplante de medula óssea. Estou fazendo meu TCC justamente sobre a doação de medula óssea, e fiquei muito tocada com sua história, tanto que gostaria de poder utilizá-la e o depoimento do doador “Rapha” nos folders e ações de conscientização que meu grupo vai fazer. Gostaria de receber seu retorno, desde já agradeço por compartilhar informações tão importantes. Grande abraço!

  5. Helen disse:

    Olá, Raquel! Fique a vontade para utilizar as informações encontradas no Blog. Nosso intuito é realmente instruir cada vez mais as pessoas sobre o processo de doação de medula óssea, e todos que aqui participam tem esse mesmo objetivo: desmitificar a doação de medula, facilitar o contato com pessoas que já passaram pelo processo, esclarecer dúvidas e incentivar o cadastro no banco de doadores. Um bom TCC para vocês!

    • Raquel Silva disse:

      Helen, muito obrigada por nos permitir compartilhar informações tão esclarecedoras.
      Com certeza poderemos contribuir e incentivar a disseminação cada vez maior de informações, e desmistificar a questão da doação de medula óssea. Grande abraço e que Deus continue iluminando seu caminho.

  6. weber disse:

    Helen estou com data marcada para coleta de medula óssea e ler seus textos me anima cada vez mais e mais, estou ansioso e na torcida para que o poderoso Deus possa guiar todo esse processo afim de que que ocorra tudo bem principalmente para o receptor. Vida longa a você, força e fé. abraço

  7. edimary disse:

    Helen, parabéns pela sua história e a forma como você a conta! Gostaria também de usar o texto para ajudar na divulgação e desmistifcação do que que é o transplante de medula ossea, gostei muito! um texto despretencioso, simples e até gostoso de ler..pois o tema para grande maioria sempre é muito tenso.
    Posso usar seus textos??

  8. Sandra Roth disse:

    Pessoal boa noite,eu tenho uma conhecida desconhecida..fiquei sabendo que ela precisa de um transplante–ela nao me conhece..mas eu se puder gostaria de ajuda-la..pq é muito trsite voce precisar de um milagre e no ter–é mais triste ainda voce poder ser o milagre e nao o ser-Eu tenho uns medos–De ir para uma mesa cirurgica com anestesia geral,e o medico tirar meu rim,algum orgao meu–De eu ter complicações apos a doação de medula–pEGAR ALGUMA INFECÇÃO-Podem me ajudar com essas duvidas?

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